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Todas as estradas do mundo são interligadas. Teoricamente, seria possível visitar todos os países de carro, mas não é tão simples assim.
Os grandes problemas não são as estradas que, em grande parte, são até boas. As burocracias são o que têm sido o grande entrave nesta viagem.
Quando saímos da Turquia e entramos no Oriente Médio já sabíamos que não seria possível descer para a África devido a um ferry boat que liga o Egito ao Sudão. Esse ferry não aceita cachorro de jeito nenhum. Além disso, na África, não poderíamos entrar nos parques nacionais, também, por causa do Tapa.
Nossa idéia seria passar o Natal na Jordânia, e o Ano Novo em Dubai e depois pegaríamos um ferry pro Irã. Show!
Mas o buraco é mais embaixo. Para entrar na Arábia Saudita precisaríamos ter o visto de Dubai, que, para brasileiros, são emitidos apenas nos aeroportos. Como o Farofamóvel não voa, a ida para Dubai melou. Enquanto isso, nossos vizinhos overlanders alemães tinham carta verde para seguir para Dubai sem problemas. Sacanagem!
Nossos planos foram por água abaixo.
Duas semanas de espera no pátio de um chato colégio em Amã, na Jordânia, depois de tantas idas aos consulados foram pura perda de tempo.
A vida é assim mesmo para todos, alguns investimentos não dão certo.
Assim, partimos da Jordânia e cruzamos toda a Síria em dois dias.
Taxas, seguros e fortes dores de cabeça para entrar no país e piores ainda para sair.
Discutir com os árabes, praticamente em árabe, que a documentação do carro está correta e é valida, meu camarada, é uma tortura longa e sofrida.
O deserto com neve foi o único consolo da nossa breve segunda passagem por este país.
Depois, entramos na Turquia pela segunda vez. As excelentes estradas são a compensação do preço absurdo do diesel.
Quase 4 reais o litro!
Mas escolhemos estradas mais simples atrás de visuais mais interessantes e menos monótonos.
Passamos por ruínas de castelos, da época das cruzadas, em lugares fantásticos.
Passamos pela cidade Batman (repare nos tiros na placa), mas não vimos a cidade Robin.
Cruzamos as nevadas montanhas curdas.
E para evitar uma taxa de quase 1000 euros que o Irã está cobrando dos carros estrangeiros que querem entrar no país, optamos por uma fronteira menor que passa por uma região tensa e perigosa a menos de 50 km da borda com o Iraque, chamada Sero. Ali é área de guerrilheiros chamados PKK (Partido Trabalhista Curdo). Onze soldados turcos foram mortos ali há menos de seis meses e o clima ainda está bem tenso.
Muitas paradas e duras militares, algumas gentis e outras nem tanto. O controle militar é bem rigoroso nessa região.
E chegamos na fronteira iraniana.
E, novamente, foi um grande aborrecimento para aceitarem a documentação do carro.
Mas o Irã é um país organizado e os aduaneiros conseguem aceitar o que está correto, com mais clareza e sem tanta confusão.
As únicas perguntas foram:
-Tem armas no carro?
-Não :)
-Tem bebidas alcoólicas no carro?
-Não :(
Bebidas, músicas ocidentais e até mesmo dançar são proibidos no Irã.
No alto do morro o desenho dos Aiatolás começaram a ser freqüentes a partir daquele ponto.
A Ana meteu seu hijab, que é obrigatório, sem mostrar nenhuma parte do cabelo.
Ficou parecendo uma santa.
No Irã todas as mulheres são obrigadas a usar o véu islâmico. Até mesmo as turistas.
Mas assim que entramos percebemos que a regra não é tão radical assim.
Basta colocar um pano na cabeça e pode até aparecer a parte da frente do cabelo.
A Ana relaxou e adotou a vestimenta menos conservadora.
Os rabiscos persas, assim como os árabes, são completamente incompreensíveis.
Para saber se é persa ou árabe, aí vai minha dica: Se tiver um coração de cabeça para baixo é persa.
Este significa o número cinco.
Até as paradas para comer nas estradas se parecem com mesquitas.
Apenas os mais religiosos usam o pano enrolado na cabeça.
A maioria dos iranianos não usa essa roupa.
Cerca de 60% das mulheres usam a burca, segundo minha observação leiga e sem critério. O resto, usa roupas normais com o hijab na cabeça.
O irônico é que em um país laico como a Síria, as mulheres são bem mais conservadoras que no Irã que é uma república islâmica.
No Irã ainda era outubro de 1823, calendário islâmico.
No nosso mundo era 24 de dezembro de 2010. Noite de Natal!
A Ana, arriada na cama com uma mega virose, cheia de febre e eu, vendo um programa programa político em persa, tomando uma cerveja iraniana, sem álcool, rezando para ela não piorar.
Foi, sem dúvida, um natal péssimo.
Para nossa surpresa, o pessoal do hotel começou a montar a árvore de natal no dia 26 de dezembro! Hahaha! Foi engraçado demais!
O Natal não tem relevância alguma no Irã!
Fomos visitar o mausoléu do Aiatolá Khomeini.
Os freqüentadores, que não eram apenas iranianos, foram muito gentis conosco e nos ofereceram uns biscoitos doces muito gostosos.
No entanto, não entramos no mausoléu porque era necessário usar burca e a Ana não tinha.
Passeamos por Teerã que é uma cidade grande com engarrafamentos enormes e bem poluída.
É comum ver muita gente usando máscara contra poluição, tipo aquela da gripe suína.
Muitos prédios do Irã são pintados com o rosto dos aiatolás...
... Alguns tem pinturas leves...
... Outros nem tanto.
Lá não existe ração para cachorro.
Por isso tivermos que dividir nosso rango com o nosso fedorento.
Outra curiosidade é que não dá para fazer saques em caixas eletrônicos, nem usar cartão de crédito, devido às sanções internacionais.
Turista tem o dinheiro que leva no bolso. Se acabar ou se você for roubado, você está ferrado.
O lado positivo é que o Irã é um país onde roubos não são comuns.
Fomos conhecer a estação de ski de Dizin.
Dizin é a quarta estação de ski mais alta do mundo e possui neve da melhor qualidade. Seca e fofa por estar no meio do deserto.
Ver a Ana fazendo snowboard de hijab seria impagável.
Mas não demos sorte e tinha pouca neve. O snowboard estava proibido naquela semana.
Partimos para Esfahan, uma das cidades mais antigas do mundo.
E foi lá que passamos a situação mais tensa de toda a viagem.
Estávamos tirando fotos e filmando normalmente quando começamos a ser cercados por uns camaradas mau encarados e, definitivamente, com caras de poucos amigos.
Eles começaram a tirar fotos nossas de longe com câmeras grandes e de perto com celulares. O clima ficou tenso do nada e a troco de nada. Não fizemos nada de errado.
-Gustavo, vamos nessa que tem um monte de caras estranhos cercando a gente.
-Vamos nessa.
Guardei a câmera na mochila e batemos em retirada.
Um carro de polícia parou na rua e os policiais vieram em nossa direção com rádios nas mãos. Além de outras caras sem roupas de policiais.
Um dos policiais falou:
-Card!
-Card?
Rapidamente um dos caras à paisana corrigiu:
-Passport
Graças a Deus não deixamos os nossos passaportes no hotel, como queria o cara da recepção.
Por algumas dezenas de longos minutos ficamos ali ouvindo o policial falando no rádio, em persa, decidindo nosso destino.
É nessas horas que a gente compreende o quanto a nossa sorte pode mudar de uma hora para outra. E por nada.
Foi muito, muito intimidador a aproximação dos caras e foi um momento que compreendemos o quanto estamos desamparados e expostos em um país estrangeiro.
Basta alguém tirar uma conclusão completamente errada que você poderá se meter em sérios apuros. Quem você vai chamar? A policia?
Perguntei se tínhamos feito alguma coisa errada e ninguém respondeu. Pouca gente fala inglês no Irã. Tudo bem assustador.
Eles devolveram os passaportes e vi uns caras tirando fotos da gente de dentro de um carro. Depois fomos seguidos pelos mesmos!
Parecia que a gente estava em um filme, só que nesse filme o medo é de verdade.
Fomos para o hotel e tivemos a impressão que iria passar alguém lá para catar a gente.
A "nóia" era tanta que ficamos com a luz apagada do quarto olhando a janela para ver se tinha alguém vigiando a gente.
Não sabíamos mais o que poderíamos filmar e o que não poderíamos.
Sabíamos que se registrássemos qualquer referência militar, porto ou presídio a pena é de morte e eles levam isso muito a sério. Claro que só tínhamos interesse nas atrações turísticas.
Não poderíamos passar pelo Paquistão, pois os paquistaneses não emitem mais visto para quem está fora do país de origem, ou seja, teríamos que voltar para o Brasil para tirar o visto num consulado paquistanês, e isso, claro, que não rola. Assim sendo, teríamos que mandar o carro de navio de Bandar Abbas, no Irã, até Mumbai, na Índia, que é um porto hiper confuso e bagunçado, segundo referências. Depois, não poderíamos cruzar Mianmar de carro porque é proibido. Pela China é caríssimo e você ainda tem que levar um guia, obrigatoriamente, dentro do carro. Ou seja, teríamos que colocar o carro no navio novamente para ir para o sudeste da Ásia. Aí fica difícil... Vira viagem de container. O carro deixa de ser solução e vira problema, ainda mais com um cachorro de 45 quilos a tiracolo.
Mais uma vez, infelizmente, tivemos que andar para trás ...
Rodamos uns 3000 km no Irã, sempre passando perrengue com o diesel. Para colocá-lo você precisa de um cartão magnético especial, aquele que fugimos de pagar 1000 euros na fronteira. Tivemos que viajar mendigando esse cartão para os caminhoneiros pelo caminho. Para piorar a situação, o Irã está racionando o diesel e triplicou o preço no dia que entramos no país. Os caminhoneiros estavam bravos e negaram o cartão para a gente algumas vezes. Não existem postos de diesel nas estradas, apenas nas cidades. Rodar no Irã foi um exercício de logística e se não fossem os galões no teto ficaríamos na mão.
Saímos pela mesma fronteira que entramos, a de Sero. Montanhas curdas novamente, aquelas perto do Iraque.
Desta vez fomos escoltados por carros blindados militares do lado turco por um bom trecho.
Eles disseram que era para nossa segurança.
Um na frente e outro atrás.
Chique, né?
Passamos nosso ano novo no Lago Van, na cidade de Tatvan.
Neve para todo lado, do jeito que o Tapa gosta.
E o Ano Novo foi como o Natal no Irã. Nesta área curda da Turquia não existe comemoração destas datas, embora elas estejam no calendário gregoriano, o qual eles também seguem.
Nenhum pipoco de virada de ano, nenhuma comemoração :(
Dentro de um quarto de hotel fizemos nossa "bebemoração".
Pelo menos desta vez, minha companheira olhuda estava com saúde e nossa cerveja tinha álcool. Rárá!
Feliz 2011!!!
Comidas e bebidas maneiras |
Assim que chegamos à fronteira da Turquia com o Irã coloquei o meu hijab, o famoso veu islâmico, para não ter problemas. Naquela parte da Turquia, praticamente, todas as mulheres usam o hijab ou burca, ao contrário do resto do pais. O hijab cobre somente a cabeça, já a burca são aquelas vestimentas pretas que cobrem o corpo inteiro.
Do outro lado da fronteira, no Irã,
todas as mulheres usam hijab ou burca, obrigatoriamente. Segundo a religião
islâmica, o hijab foi decretado como obrigatório
para proteger a mulher da exposição a outros que
nao sejam seus familiares e para honrar a Deus, de forma que seus
"atrativos" nunca fiquem visiveis. Antes de entrarmos no país, como de costume, fiz uma pesquisa sobre as vestimentas femininas iranianas, mas não imaginava encontrar as mulheres vestidas da forma que vi. Isso pra mim, de certa forma, foi um alívio, pois pude relaxar um pouco na maneira de usar o hijab e não tive problema algum quanto a isso, durante nossa passagem por lá.
Ao meu ver, essa forma de arrumar o véu,
suas vestimentas e outros pormenores do comportamento feminino atual
no país, expressam uma vontade interior de
mudança. E, com certeza, a quantidade de mulheres ativas no país
contribui para isso, principalmente pela grande
quantidade de jovens. Mas
esse é um outro assunto, muito mais complexo e que não
vem ao caso no momento.
Apesar de
gostoso... Passamos
mal pra caramba.
... Assim como as sopas também, como entrada. Comemos uma sopa de lentilha deliciosa um certo dia.
Farto, mas com aquelas azeitonas, tomates e pepinos que
os árabes costumam comer em seus desjejuns. Cada um com seu cada qual. A
única coisa que nos incomodou um pouco era quanto ao café que nós adoramos.
Quase uma missão impossível achá-lo. Até mesmo nos hotéis turísticos.
Nescafé uma vez ou outra. É sempre chá, chá
e chá. Então, tratamos
de nos adaptar. Outra bebida muito consumida por
la é um tipo de iogurte, também comum na Turquia.
Mas, desta vez, preferimos não provar.
Mas com o mesmo padrão fast food, pena que a comida não foi servida tão "fast" assim. Olha a nota fiscal, entende alguma coisa?
Eu tive que provar... Pô! Não existe chocolate só para mulheres. E ele é realmente diferente. Bem mais grosso, difícil de morder e, também, engraçado, pois os pedaços tinham o desenho de uma mulher banida!
Valeu só para ver esse desenho, hehehe. Na
verdade, o chocalate nao é iraniano, mas sim, Russo.
E, para nossa tristeza e decepção, todas ruins pra caramba!!!
Quase todas com uma espuma parecida com sabão.
As que tinham gosto de frutas...
... Todas péssimas.
A de trigo, pior ainda.
E o engraçado é que todas são bastante consumidas por lá.
Toda mercearia, independente do seu tamanho, tem essas cervejas horríveis. E por falar em mercearia, não existem grandes redes de supermercados no país. Apenas essas mercearias, umas maiores, outras menores. Mas sem muita variedade de produtos e marcas. O letreiro da foto abaixo é de um restaurante que cruzamos em nossa última noite no país. Achamos bacana!
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