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A única coisa que não gostei na Turquia foi do preço do diesel. Lá era ainda mais caro que na Europa!
Cruzar a fronteira com a Síria significaria um alívio financeiro, já que lá o diesel é barato.
Mas, na fronteira... As taxas para carros a diesel, seguros e outras taxas acabam tornando essa enorme vantagem em uma pequena vantagem.
No primeiro posto, o desafio era saber qual rabisco significava diesel.
A malandragem é dizer:
-MAZOUT!
O frentista vai perguntar alguma coisa do tipo:
-Abdulaelhashid?
Você responde:
-Full!
Pronto...
Depois vem: Ronaldo, Kaká e Bebeto... Com os caras fazendo aquela dança do bebê no colo. É engraçado...
E os rabiscos em árabe passam a ser a regra para todo lugar que se olhe. Até os números são completamente diferentes com exceção do 9.
Os caras escrevem da esquerda para direita e lêem de trás para frente, ou seja, a última página de um livro em árabe, na verdade, é a primeira.
E não pense que os caras são doidões e que fazem tudo ao contrário. Foram os árabes que inventaram a escrita.
Na verdade, somos nós que fazemos tudo ao contrário e distorcemos a forma de ler e escrever.
Perceba que você folheia um livro ou uma revista de trás para frente. Anatomicamente é mais fácil ler de trás para frente.
Eles é que estão certos.
As burcas começam ser mais freqüentes e algumas mulheres não mostram os olhos e nem as mãos.
Nossa primeira incursão no mundo sírio foi numa feirinha, ou souk, como chamam os caras.
Mas não deu muito certo não... Os caras deram uma enlouquecida quando viram a Ana sem hijab e aí começou uma gritaria danada na feira inteira.
Só faltou os caras ficarem pulando, abraçados, gritando: UUUU TERÊRÊ UUUU TERÊRÊ. Para eles era como se ela estivesse pelada... Foi a maior doideira.
Se o Tapa saísse do carro tinha gente querendo tacar pedra nele, pois os árabes consideram os cachorros pretos os animais mais imundos que existem (é o caso do Tapa, hehehe), e se a Ana saísse do carro também tinha gente gritando.
Minha vida na Síria, definitivamente, não seria fácil.
Fugimos dessa loucura toda e fomos nos esconder no deserto.
As ruínas de Palmyra eram o nosso próximo objetivo.
Cruzamos muitos poços de petróleo, alguns tanques de guerra...
... E muitos civis usando roupas militares com um pano vermelho enrolado na cabeça... Exatamente do jeito como eu imagino ser o Iraque.
Bom, na verdade, o Iraque não estava tão longe assim.
Era só pegar a estrada errada e, rapidinho, estaríamos em Bagdá.
Mas pegamos o caminho certo e chegamos à Palmyra, "O orgulho do deserto".
E lá estávamos nós, não muito longe do rio Eufrates, onde começa a lendária Mesopotâmia.
As ruínas de Palmyra, à noite, parecem aquelas entradas do céu onde um anjo está com um bloco na mão fazendo um levantamento dos pecados que você cometeu... Resolvendo se você tem pontos suficientes para passar e entrar no paraíso...
Por lá, mercadores há quase 4000 anos atrás faziam um pit stop e partiam em direção à Babilônia, que hoje é Bagdá.
Lá na Babilônia é que foi definido o padrão que o dia teria 24 horas e que uma hora teria 60 minutos.
Se não fossem os babilônios as medições de tempo hoje seriam completamente diferentes.
E inspirados nos criadores de padrões, criamos o padrão do "Troféu Cachorro Mais Maluco do Mundo".
O único ajuste necessário seria mudar esta criatura negra da foto por uma estatueta dourada na mesma posição.
Animados com a paz e segurança do lugar fomos acampar no deserto atrás das iluminadas ruínas. Um lugar lindo!
Estava bom demais para ser verdade.
De repente, o Tapa começou a latir e um cara saiu do nada do meio do escuro. Assustado, ele falou alguma coisa em árabe e seguiu em direção ao escuro novamente.
Acompanhamos o vulto dele e vimos que ele ficou à uma certa distância sacando a gente.
Joguei um holofote no cara e dava para ver os pezinhos com chinelos atrás de uma rocha. E ele ficou mais uns trinta minutos ali, "paradão", sacando a gente.
Onda errada... O cara era o maior quebra clima. O cara era um ponto fora da curva e diferente dos sírios comuns que te passam tranqüilidade e confiança.
-Vamos nessa Ana. Esse maluco pode estar tramando alguma.
Fomos para a cidade... Grande erro... Nossos problemas estavam apenas começando.
Estacionamos o carro e, de repente, uma criança com cerca de dois anos viu o Tapa e começou a gritar: AU AU AU AU.
Ok, tudo bem... Normal... Uma criança imitando um cachorro!
Normal que nada... Essa foi a senha para todas as crianças da redondeza descerem de suas casas com paus e pedras nas mãos para darem uma "massagem" no Tapa.
Apenas uma criança tinha uma arma inofensiva. Ela tinha um fuzil de plástico!
Um moleque vesgo albino que com certeza irá habitar meus futuros pesadelos, coordenava os ataques ao meu amigo fedorento que se limitou a fechar os olhinhos esperando as pauladas.
Guardamos o Tapa no carro rápido e as pestes ficaram em volta do carro dando pauladas na janela do carro.
Foi horrível, mas fomos salvos por um cara que deu umas broncas feias nas crianças em árabe.
Elas saiam correndo e voltavam dez segundos depois... Levavam outra bronca, voltavam dez segundos depois... E isso durou umas duas horas.
Os moleques eram ruins demais. Tivemos saudades de Chico Chato, o moleque chatíssimo do Deserto do Atacama.
Chico Chato não era tão péssimo assim... Tudo é referência...
Dormimos na frente do hotel do cara que nos salvou. Acordamos e tomamos café no restaurante dele em retribuição à noite anterior.
Um vendedor chegou oferecendo esses turbantes árabes de enrolar na cabeça. Vestiu um na Ana e outro em mim.
Ao saber que éramos brasileiros ele montou em sua moto, virou a esquina e sumiu.
Voltou com uma bandeira enorme do Brasil e pediu uma foto.
Cara maneiro.
Os sírios adoram o Brasil, graças aos nossos jogadores de futebol.
Os sírios amarram os turbantes de 200 formas diferentes.
Sempre vai aparecer um maluco dizendo que seu turbante está amarrado errado.
Mas tudo na camaradagem... Na base da amizade.
E fomos visitar Palmyra de dia.
Longe de seus inimigos mirins...
... Tapa deu suas corridas alopradas pelas ruínas milenares...
Que lugar lindo!
Os sírios vestem suas motos com tapetes, parecem até umas espécies de
selas de camelos...Em falar em camelo, ops, dromedário, conhecemos Bromo. Ele era tooooodo enfeitado e simpático.
Nos despedimos das ruínas greco-romanas...
E fomos para as ruínas medievais da época das cruzadas.
Lá, as crianças descobriram o Tapa e logo começaram a catar pedras no chão...
... Rapidamente colocamos a molecada para filmar. Mudaram o foco e esqueceram da idéia de tentar matar nosso amigo fedido.
E, por incrível que pareça, eles fizeram um bom trabalho!
Fomos em direção ao sul para o castelo de Krak des Chevaliers, bem perto da fronteira com o Líbano.
Este castelo da época das cruzadas, foi impenetrável.
Saladino, sultão do Egito e da Síria, parou na porta do castelo, olhou para cima e disse:
-Não dá para entrar nesse bagulho não. Deixa pra lá.
Segundo Lawrence da Arábia, Krak des Chevaliers é o castelo mais admirável do mundo.
Aproveitamos a parte interna do castelo...
... enquanto nosso "Nego" nos esperava do lado de fora.
A caminho de Damasco uma criança, na estrada, jogou uma grande pedra no Farofamóvel.
Em Damasco, um moleque sacou uma pistola e atirou na direção da minha cabeça. Para minha sorte, o vidro estava fechado e o chumbinho apenas estalou forte no vidro.
Minha experiência com as crianças sírias, definitivamente, não foi das melhores.
Em compensação, dos adultos, levamos conosco apenas boas recordações...
Um povo hospitaleiro, educado e gentil.
Sempre sorrindo para os visitantes e gargalhando entre si.
Obrigado Síria!
Nossa próxima parada seria em Jerash, na Jordânia, acampando no estacionamento de um hotel na companhia agradável dos overlanders alemães Paul e Julia.
Mas, sobre a fantástica Jordânia eu conto no próximo diário de bordo.
Até lá!
Comidas e bebidas maneiras |
Após dias incriveis na Turquia cruzamos a fronteira do 38o país da nossa aventura, a Síria. Sem grandes aborrecimentos, a nao ser a tradicional papelada e dinheiro pra cá e pra lá, entramos, finalmente, no tão temido Oriente Médio. As informações que tínhamos do país eram extremamente favoráveis, principalmente, dos viajantes que haviam passado por ali há pouco tempo. Assim, entramos confiantes de que teríamos dias agradáveis durante nossa visita ao país.
Chegamos ao camping
localizado bem próximo à fronteira, parada obrigatória e já famosa entre os viajantes que
entram no país e fomos informados pela dona do camping, uma belga
simpática, casada com um sírio, chamada Cristal, que nos próximos dias, o
país estaria parado por causa do feriadão prolongado, equivalente à epoca de
fim de ano deles. E que seria conveniente abastecermos nossa dispensa, pois
os supermercados e souks,
o comércio aberto local, estariam fechados nos próximos dias. Sugestão
acatada, lá fomos nós comprar mantimentos. Fomos a um
souk
bem próximo ao camping. Nossa!!! Que experiência!! Fui
para lá o
mais coberta possível, pois sabia que ali não poderia andar tão
à vontade
como na Turquia. Os costumes na
Síria são ainda bem conservadores e
as mulheres, praticamente, só mostram seus olhos atrás de burcas negras num
calor escaldante.
E, talvez, esse tenha sido o motivo de tanta gritaria. Sem querer puxar sardinha pro meu lado, pois é sabido que os homens sírios são assim com todas as mulheres ocidentais que passam pelo país, mas a forma como estes homens olham para nós, mulheres turistas, incomoda, e muito. E por causa destes olhares desinibidos e da gritaria fui obrigada a me retirar das compras e do souk, e literalmente, me esconder dentro do carro. Pela primeira vez em toda a viagem, Gustavo teve que fazer nossas compras sozinhos. E até que ele se saiu muitíssimo bem.
... Muito comum aí no Brasil. Obviamente que tudo feito em seu lugar de origem é mais gostoso. E o pão feito por la é bem mais fino e leve do que é feito no Brasil. E uma coisa interessante é que em todas as refeições o pão está presente. Em todas mesmo. E seguimos em frente rumo a um dos lugares que estávamos mais ansiosos para conhecer em nossa viagem, as ruínas de Palmyra. Havia lido em alguns de nossos sites de referência que a comida na Síria era barata e que não valia à pena lotar o carro de mantimentos. E como adoro comida árabe e Gustavo também, esse foi um excelente motivo para nos deliciarmos em alguns restaurantes no país. E começamos bem. No caminho para as ruínas tivemos o primeiro contato com o hummus tipicamente árabe. Que delícia! E muito diferente do que havíamos provado na Turquia e muito mais saboroso. Além do hummus, comemos o molho de iogurte, também muito comum.
Ambos,
obviamente, acompanhados pelo pão sírio. Empanturrados, saímos
definitivamente rumo às ruinas.
Bebemos a caneca como se fosse a última cerveja que tomaríamos na vida. E, logo depois, veio o nosso jantar. Um prato típico de Palmyra, carne de camelo. Estava muito saborosa e acompanhava batatas cozidas e arroz agulha com açafrão, tempero muito utilizado nos países árabes.
O tradicional café da manhã sírio é bastante farto...
... Pão, geléia, creme de iogurte, azeitonas, queijo e café. O
suficiente para nos energizarmos e sairmos para curtir o dia.
Confesso... São
muito mais saborosas do que as
que encontramos no Brasil. O problema é que elas são servidas em grande
quantidade e até o Tapa acabou comendo. Maravilhas do mundo
árabe!!
E não parava de falar... Ronaldo, Kaka etc etc
etc. Tudo bem, já estamos acostumados, afinal, quando se fala em Brasil por
essas bandas, o papo sempre acaba em futebol. Não tem jeito.
E o que víamos à nossa frente era exatamente o castelo... Demais!
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